Nas atividades cotidianas envolvendo o manuseio de produtos químicos, é comum encontrarmos colegas do meio da segurança do trabalho se depararem com a seguinte dúvida – O manuseio com soluções contendo soda cáustica (ou hidróxido de sódio) é passível de adicional de insalubridade? Uma resposta precipitada que nos vem a mente é SIM, mas esse sim, vale para qualquer condição de trabalho?
Do ponto de vista técnico e jurídico, o conceito de insalubridade é regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em seus artigos 189 a 192 e complementado pela Portaria 3214/78 através da Norma Regulamentadora (NR) no15, em seus Anexos 11, 12 e 13.
A NR 15 em seu Anexo 13 – Operações diversas – atribui a insalubridade de grau médio para: Fabricação e manuseio de álcalis cáusticos.
* Mas afinal, o que é um álcali cáustico?
A primeira ideia para muitos é recorrer ao pai dos burros (agora mais fácil com a internet), e perguntar: google, google meu, qual o significado de álcali cáustico?
ALCALI vem de base, base em química significa dizer que são aqueles compostos que quando se dissolvem em água, origina um PH maior do que 7. Já a causticidade está relacionada á definição de queimadura, e quando, em contato com nós humanos o álcalis cáustico pode causar algum tipo de queimadura.
* Deu para entender? Podemos também, fazer a pergunta por partes: Google, qual o significado de álcali?
Agora que já temos duas pistas boas... Que tal tirar a poeira da tabela periódica?
Vamos lembrar que os elementos químicos são separados por famílias (ou grupos), sendo: os metais alcalinos, metais alcalinos terrosos, metais de transição, semi metais, gases nobres, halogênios, etc. Portanto, de primeira análise, podemos relacionar os álcalis cáusticos aos hidróxidos dos metais alcalinos (grupo1), ou seja, o hidróxido de sódio (NaOH) e o hidróxido de potássio (KOH), amplamente utilizados em escala industrial. Os demais metais alcalinos, (lítio, rubídio, césio e frâncio) são menos ou não utilizados no cotidiano.
Observando novamente a tabela periódica, os metais alcalinos terrosos (grupo 2) compreendem: Berílio (Be), Magnésio (Mg), Cálcio (Ca), Estrôncio (Sr), Bário (Ba) e rádio (Ra) na sua forma alcalina (hidróxido).
A partir do reconhecimento das substancias “elegíveis como álcalis cáusticos”, nos cabe um novo questionamento: Qualquer produto ou solução a base destes álcalis terão propriedades cáusticas?
Dos elementos químicos dos grupos 1 e 2, vamos destacar a título de exemplos álcalis mais populares no cotidiano e suas características:
Grupo 1:
Hidróxido de Sódio = NaOH : Cristais brancos e opacos, fortemente higroscópico e solúvel em água. Popularmente conhecido por soda cáustica, é um dos produtos mais utilizados na indústria (papel e celulose, petroquímica, produtos de limpeza, corantes, etc.). Excelente e barato corretor de pH, presente em laboratórios e estações de tratamento. É utilizado na fabricação de sabão e glicerina, quando misturado à gorduras vegetais ou animais.
Hidróxido de Potássio = KOH : também conhecido por potassa cáustica, apresenta-se como um sólido branco, relativamente translúcido e em escamas finas praticamente incolor. Sua agregação está sempre em estado sólido. Se for ingerido, pode causar danos permanentes, inclusive a morte. Assim como a soda cáustica, possui muitas aplicações industriais e especiais. A maioria das aplicações explora sua reatividade com ácidos e suas características corrosivas. A potassa sódica é notável como o precursor da maioria de sabões líquidos e moles, assim como numerosos compostos químicos contendo potássio.
Grupo 2:
Hidróxido de Magnésio = Mg(OH)2 : Pouco solúvel em água, popularmente conhecido como leite de magnésia, é utilizado como antiácido estomacal ou como aditivo na indústria farmacêutica, papel, dentre outros.
Hidróxido de Cálcio = Ca(OH)2 : obtido através da cal virgem, pela reação com a água(daí chamada de cal hidratada), muito utilizado na construção civil e em tratamento de água (correção do pH). Sua ação corrosiva é mais fraca que os metais do grupo 1;
A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) classifica os produtos químicos como corrosivos para a pele – quando provoca danos irreversíveis por contato de até 4 horas – e irritantes – quando o contato de até 4 horas provoca danos reversíveis à pele.
São classificados como provocadores de danos sérios aos olhos os produtos que geram danos oculares irreversíveis em até 21 dias após o contato e irritantes os que provocam danos reversíveis em até 21 dias após o contato.
Também segundo o sistema harmonizado de classificação e rotulagem de produtos químicos (GHS – Glonally Harmonized System of Classificatiomand Labelling Chemicals), que é uma abordagem técnica desenvolvida para definir os perigos específicos de cada produto químico, estabelece que a causticidade está relacionada à definição de queimadura e um produto corrosivo (seja um ácido ou uma base) é qualquer material que, quando em contato com a pele por mais de quatro horas, pode gerar uma destruição visível da epiderme.
Note que apesar de haver um tipo de álcali (hidróxidos dos metais do grupo 1 ou 2), sua concentração, por exemplo, também será um fator importante que implicará na nocividade do produto. A soda cáustica in natura, por ser higroscópica é altamente cáustica, porém a quantidade presente na maior parte dos saponáceos não tem características cáusticas, pois sua presença é muito diluída. É óbvio que ninguém fará o teste durante 4 horas na solução em questão para descobrir se ela tem poder corrosivo.
* Então, como podemos evidenciar ou medir a causticidade?
Quando nos deparamos com um produto químico que não temos conhecimento dos riscos inerentes, a primeira consulta que devemos fazer é a sua FISPQ (Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos).
As FISPQ foram instituídas no país por normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). As empresas fornecedoras de produtos químicos devem disponibilizá-las aos seus clientes e os itens abaixo devem nela constar com a seguinte numeração:
1. Identificação do produto e da empresa
2. Identificação dos perigos
3. Composição e informação dos ingredientes
4. Medidas de primeiros socorros
5. Medidas de combate a incêndio;
6. Medidas de controle para derramamento ou vazamento;
7. Manuseio e armazenamento;
8. Controle da exposição e EPIs;
9. Propriedades físico-químicas;
10. Estabilidade e reatividade;
11. Informações toxicológicas;
12. Informações ecológicas;
13. Considerações sobre tratamento e disposição.
Para nosso objetivo, os itens 2, 3, 4, 8, 9 e 11 serão de especial interesse sendo o item 3 (composição) a informação das mais importante, pois alguns produtos além de serem conhecidos por nomes comerciais, também podem ser resultados de um blend de substâncias, podendo haver um ou mais produto em maior concentração e com propriedades mais tóxicas ou cáusticas.
No item 2 da FISPQ (Identificação de Perigos), as frases e classificação de perigo também nos auxiliará em determinar se o produto é irritante ou cáustico, se promove lesões etc.;
As medidas de primeiros socorros (item 4) nos dará pistas das consequências ao trabalhador em caso de contato dermal, inalação ou ingestão;
O item 8 (Controle de Exposição e EPI´s) apresenta na maior parte dos casos, os limites de tolerância estabelecidos na NR 15 (se existentes) e/ou o TLV da ACGIH.
Fazemos um parêntesis, nesse caso, pois a ACGIH estabelece o limite por média ponderada no tempo (TLV-TWA), que é a concentração média dos valores permitidos ao longo da jornada de trabalho (8 horas diárias, 40 horas semanais) e a real exposição decorre de inúmeras variáveis dos ciclos produtivos e ambientais (ventilação, presença de EPC´s, periodicidade de uso, quantidade, concentração, etc.). A ACGIH também estabelece o limite de exposição por média ponderada de 15 minutos (TLV-STEL), que não deve ocorrer mais de quatro vezes ao dia e é suplementar ao TLV-TWA. O limite de exposição Ceiling é a concentração máxima que não deve ser excedida em qualquer momento da exposição no trabalho. Geralmente é definida para substâncias irritantes e sua definição é a mesma do valor teto da legislação brasileira. Note que os valores de exposição em curto prazo são importantes, quando existentes, evidenciando que a substância tem característica irritante, cáustica e/ou asfixiante. – No caso da soda cáustica, a NR 15 não estabelece limite de tolerância, porém a ACGIH atribui o limite STEL de 2 mg/m3.
Portanto, a análise quantitativa da exposição ao produto em estudo se faz obrigatória para determinarmos se o contaminante que possui propriedades cáusticas se faz presentes em níveis prejudiciais à saúde do trabalhador, ou seja, a insalubridade deverá ser demonstrada não pela presença do agente (soda caustica, p. ex.), mas de que forma ela está presente no ambiente (concentração) e se o processo permite que o trabalhador fique exposto sem riscos de queimaduras (por contato físico direto), medindo-se o pH da solução, ou medições quantitativas dos vapores se houver a possibilidade de inalação, e assim verificando se ultrapassam os limites reconhecidos como nocivos.
Algumas FISPQ mascaram o item 8, dizendo se tratar de “segredo industrial” ou não simplesmente não apresentam o TLV.
Um caminho a ser adotado é solicitar ao fabricante que apresente somente a relação dos produtos presentes (sem a formulação ou proporção) ou ainda buscar informações complementares no item 9 da FISPQ (informações físico-quimicas), observado o pH do produto (no caso da pesquisa da causticidade) e também no item 11 (informações toxicológicas).
* Conclusão
Apesar de o Anexo 13 da NR 15 apresentar uma condição subjetiva para exposição a álcalis cáusticos, a determinação da insalubridade (estabelecida em grau médio) só poderá ser atribuída se ficar demonstrado que o trabalhador está exposto ao agente em condições efetivamente passíveis de causar danos à pele ou por ingestão sistêmica (não acidental) a ponto de poder causar queimaduras severas, devendo ser medindo o seu pH (por exemplo); também se há presença de vapores em níveis que possam causar irritações no trato respiratório ou nos olhos - realizando a coleta desses vapores e analisados em laboratórios apropriados (comparando dom os TLVs), obedecendo os rigorosos critérios estabelecidos pela NIOSH ou Fundacentro. Do contrario é mero chute com grandes possibilidades de passar longe da trave do gol.
Autor: Sidney Victor Nigri – Engenheiro de Segurança do Trabalho, proprietário da Empresa ATEST.
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